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sábado, 26 de junho de 2010

Os olhos dele

- Esperava ansiosa por ele, ele chegou sem muito entusiasmo ou novidade, como sempre lotado e impaciente. Eu subi, não olhei para o motorista, raras vezes eles me interessam e mais raríssimas vezes ainda merecem algum tipo de comprimento, são grosseiros ao extremo, haja vista que é um ‘serviço público’ e assim como os demais não há absolutamente nada de digno. Enfim, não havia como me acomodar, até o acento reservado para deficiente estava La, amontoado. O ônibus parou novamente eu nem me dei conta que vinha subindo um homem, alvo, jovem e bonito de óculos escuros, ele olhava fixamente para a lateral do ônibus, procurei pra ver o que ele tanto olhava, não vi nada, uma janela talvez? O outro lado da rua? Tinha quatro olhos, dois deles, ele necessitava, outros dois brotaram nele sem muita utilidade. Vi um movimento de repulsa no meio do ônibus um cachorro entrava com ele, olhos azuis, branco, com sua língua para fora respingando em qualquer um que ali por perto estivesse, eles subiram, todos olhavam para eles. Os olhos do homem eram os olhos de seu cachorro, azuis, enxergava tudo, não deixava passar nada, cheirava e examinava cada pessoa que estava por perto.
As pessoas que estavam no lugar reservado para deficiente se mexeram e ele pode enfim se acomodar, fez um carinho caloroso e cochichou alguma coisa no ouvido do cachorro, que entendeu e comportou-se bem. As pessoas pararam de olhar e o ônibus seguiu seu caminho. Ele olhava para os lados, como se pudesse ver alguma coisa, passou quase que a viagem inteira acariciando aquele cachorro, o cuidado que ele tinha com seus olhos, os que agora eram dele, os que tinham lhe arranjado, os que lhe emprestaram, sabia conservá-los, era merecedor deles, muito mais até dos que tinham olhos que podiam ver. Depois de umas quatro paradas examinando aquele homem desci do ônibus, fiquei pensando na história de vida dele, como ele tinha ficado sem visão ou se nascerá assim, não sei, nunca mais o vi no ônibus, não soube seu nome, nem a pretensão que ele tinha na vida. Segui meu caminho, cheguei em casa, comecei a escrever, aquele homem por alguns minutos fez parte da minha vida, me fez pensar, escrever, me emocionar.


Os olhos de um cego são os dedos das mãos, é o coração, é uma boa ação.
Os olhos de um cego são a bengala, é mão estendida na calçada, é a boa vontade de graça.
Os olhos de um cego são os ouvidos, é a vontade de estar vivo, é um ser humano envolvido.

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